O presente estudo conduz à apresentação e proposição das perspectivas educativas da denominada arte marcial: Karatê-do, “o caminho das mãos vazias”. O Karatê-do shotokan é uma arte que deriva de uma prática do arquipélago de Okinawa situado ao sul do Japão, que devido a contextos históricos acabou por desenvolver-se no próprio Japão. O Karatê-do é composto de bases filosóficas de origens orientais, e de certa forma utiliza-se de preceitos e crenças de cunho espiritual; o praticante é conduzido à compreensão de três termos presentes na concepção dessa prática: o kime é uma forma peculiar de respiração utilizada pelos praticantes, sundome é uma técnica que desenvolve a disciplina física e técnica; ao realizar o kime eficientemente, é possível interromper o golpe a centímetros de seu alvo constituindo o autocontrole de todas as estruturas músculos-esqueléticas correspondentes; por fim, o zanshin, estado em que o praticante tem total autocontrole das técnicas acima mencionadas, ou seja, o espírito de luta, o praticante imagina o objetivo da aplicação de um golpe e executa sempre respeitando e zelando pela integridade física de seu oponente. O termo zanshin reflete à aquisição do autocontrole. Os aspectos acima mencionados e compreendidos que trazem à tona a verdadeira essência do Karatê-do. Através de sua história é possível evidenciar o objetivo de seu surgimento, bem como contextualizar a sua importância em nossa sociedade, levando em consideração também sua evolução como modalidade esportiva e, principalmente, por meio do presente estudo, foi possível constatar sua aplicação como ferramenta pedagógica na Educação física.
Palavras-chave: Karatê-do shotokan; ferramenta pedagógica; bases filosóficas orientais.
ABSTRACT
This study leads to presentation of proposals and educational perspective of the so-called martial arts: Karate, "the path of hands empty ". The Karate shotokan is an art that comes from a practice of the archipelago of Okinawa in the south of Japan, that because of context History finally take off in Japan itself. The Karate is composed of philosophical foundations of Eastern origins, and in some ways It utilizes the precepts and beliefs of spiritual character, the practitioner is led to the understanding of three terms in the design of those practices, the kime a peculiar form of breathing used by practitioners; sundome is a technique that develops the discipline and physical technical, to carry out the kime efficiently, it is possible to stop the coup centimeters of its target is the whole structure of self-skeletal muscles in question, finally, zanshin is the state where the practitioner has full self techniques mentioned above, that is, the spirit of struggle, the practitioner thinks the purpose of applying a coup and executed always respect and ensure the physical integrity of your opponent. The term zanshin reflects the acquisition of self. The issues mentioned above will bring forth the true essence of Karate. Through its history it is possible to highlight the purpose of his appearance, and context of their importance in our society, taking into account also its evolution as a means sports, through studies you can see its application as a pedagogical tool in physical education.
Keywords: Karate shotokan; educational tool; philosophical oriental foundationsl.
INTRODUÇÃO
O presente estudo teve por objetivo tornar possível o entendimento dessa intrigante arte marcial denominada Karatê-do em suas possibilidades educativas para a educação física. No desenvolvimento do trabalho procurei inicialmente evidenciar os efeitos psicológicos produzidos pelo treinamento do Karatê-do na constante busca pelo aperfeiçoamento do caráter, paralelamente mostrar o que é o Karatê-do; uma ferramenta preciosa que pode ser usada como modalidade de ensino por ser de cunho altamente pedagógico.
Será muito importante evidenciar os efeitos diversos produzidos pelo treinamento; a proposta foi ir procurando descrever os fundamentos e princípios para se entender o que é o Karatê-do, de um modo geral,e de certa forma vem a representar aqui neste trabalho todas as artes marciais, ao longo desse estudo o intuito é mostrar fatos comprobatórios através de experiências as quais os maiores mestres de Karatê-do shotokan que a história evidência; o fundador: mestre Ginchin Funakoshi (1868-1957), que e iniciou o trabalho de popularização e fundamentação dessa arte marcial; o segundo discípulo direto do mestre Funakoshi, Masatoshi Nakayama (1913-1987) que atingiu um estado sublime de compreensão das técnicas, e juntamente ajudou na difusão dessa arte marcial treinando outros mestres que seriam os responsáveis pela difusão do Karatê-do em todo o mundo. Em conjunto, propor uma discussão sobre os aspectos: procedimentais, conceituais e atitudinais na Educação Física. A discussão é focada em torno como educar através do Karatê-do fazendo uso da filosofia oriental e pedagogia, extraída dessa arte marcial, sendo assim formar pessoas mais humanizadas e principalmente conscientes de seu papel em nossa sociedade.
HISTÓRICO E DIFUSÃO DO KARATÊ-DO SHOTOKAN.
Segundo Funakoshi (1975), em meio aos efeitos produzidos pela industrialização especificamente na Ásia (Japão), as heranças de guerreiros oriundos de períodos tão antigos que não se podem precisar ao certo a sua origem, os samurais; que foram destituídos de suas funções outrora imprescindíveis para proteção e constituição de uma sociedade que, sobretudo cultivava a maior das virtudes, o respeito ao próximo. O tradicional samurai talvez fora extinto, mas a herança da sua riqueza cultural viria a se tornar mais forte do que jamais fora, e se desenvolveria através de outros formatos.
O mestre Ginchin Funakoshi (1868-1957) é o retrato de um samurai, nasceu em Okinawa, foi o ilustre mestre de cerimônias, como ele mesmo de intitulou, nesta ocasião uma prática muito parecida ao Karatê-do shotokan se desenvolvia às escuras normalmente no período noturno, devido à repressão sofrida pelos praticantes que eram terminantemente proibidos pelo governo japonês de fazer uso de armas, ou qualquer prática que pudesse promover um levante por parte dos oprimidos contra o governo, então se iniciava ali a prática de uma arte marcial que primava por tornar homens aptos a confrontar qualquer tentativa de repressão contra suja integridade física e de seus familiares, a prática consistia no uso do corpo como forma de autodefesa, nos anos subseqüentes o Japão passaria por uma série de reformas políticas com a fase de modernização e industrialização características dos povos do Ocidente. Isso seria inevitável, mesmo assim se desenvolviam pequenos focos de resistência contra essas reformas. Determinados grupos denominados partidos, que eram contra essas reformas e acreditavam irrefutavelmente em suas convicções tradicionais e características. O ano de 1912 foi marcado pelo fim da clandestinidade, pois o Karatê-do seria apresentado às tropas da marinha japonesa. Já 1921 foi realizada uma apresentação para o Imperador. O ministério da Educação promoveu uma apresentação formal para demonstrar as artes marciais japonesas, sendo assim pode-se dizer que o Karatê-do finalmente teve seu reconhecimento. Os anos subseqüentes ficaram marcados como início da disseminação do Karatê-do por todo o território japonês sendo que essa pratica se tornou disciplina obrigatória em várias universidades japonesas.
Em 1931 Masatoshi Nakayama iniciou os estudos em Karate-do, era membro de tradicional família japonesa, de 1937-1946 esteve na China onde estudo e se especializou em mandarim e história chinesa, por ocasião da guerra. Terminadas as aflições da guerra retornou ao Japão, entretanto muito de seus colegas haviam morrido naqueles conflitos.
No passar das décadas a prática foi evoluindo e se disseminando por todo o mundo conquistando milhares e milhares de adeptos, dessa forma o Karate-do alicerçado por diversos mestres e discípulos diretos de Funakoshi desenvolveu-se amplamente década a década foi crescendo e evoluindo. Atualmente o Karate-do se tornou também um esporte, onde ocorrem disputas e existem vários estilos de Karate bem como diversos órgão que organizam esse esporte.
Em 1949, surge à tradicionalíssima JKA, Japan Karatê Association, que tinha o objetivo de reunir diversos praticantes de todo o Japão, e organizar um plano para ampliar a disseminação do Karatê-do agora na condição de esporte. No Brasil, por volta de 1960 ocorreram à chegada de instrutores de Karatê-do Shotokan, provenientes da JKA.
Atualmente o Karatê-do se tornou também um esporte, onde ocorrem disputas e existem vários estilos de Karatê bem como diversos órgão que organizam esse esporte. Quanto aos estilos, mudam na medida em os karatecas evoluem em sua prática, alterando a postura, em busca de uma prática com maior eficiência, em especial o Karatê-do shotokan tem como característica uma postura mais dinâmica e sua principal característica é que o contato físico é mínimo, a técnica predomina em relação à força.
PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS DA PRÁTICA DO KARATÊ-DO
O PRINCÍPIO DA NÃO-VIOLÊNCIA
Nakayama (1977) enfatiza sempre que o Karatê-do deve ser usado em nome da justiça, e alerta sobre a distorção que a sociedade faz em relação às artes marcial em geral. Mesmo tendo ele falecido a mais de 20 anos, ele já pressentia que a crescente exploração comercial das artes marciais, conduziria a um efeito negativo, “homens gladiadores da Roma antiga”.
“É lamentável que o Karatê-do seja praticado apenas como uma técnica de luta. As técnicas básicas foram desenvolvidas e aperfeiçoadas através de longos anos de estudo e de pratica; mas, para se fazer um uso eficaz dessas técnicas, e preciso reconhecer o aspecto espiritual dessa arte de defesa pessoal e dar-lhe a devida importância.” (NAKAYAMA, 1977, p.9).
O treino do Karatê-do consiste de preparação mental e a preparação física. Sendo a técnica adquirida em decorrência de muitas seções de treino. Os membros superiores e inferiores exercem um papel fundamental e determinante, pois o domínio dessas estruturas durante e a execução dos golpes é mortal. Nesse sentido, definir o praticante de artes marciais como portador de armas brancas é uma afirmativa correta.
“O treino transforma o corpo em armas a serem usadas de modo livre e eficaz. A qualidade necessária para se conseguir isso é o autocontrole. Para torna-se um vencedor, a pessoa antes precisa vencer a si mesma”. (NAKAYAMA, 1977, p.11).
Dessa forma é necessário trabalhar também o praticante em relação aos aspectos morais e éticos, pois o Karatê-do deve ser usado em nome da justiça. O aspecto mencionado por Nakayama (1977) quando mal compreendido reflete a preocupação de outro grande mestre:
Funakoshi (1975) demonstra seu pensamento, um golpe de Karatê-do tem o poder devastador capaz de matar homens mesmo de três a cinco anos depois, ele fala que existe uma relativa verdade nisso, mais que lamenta esse tipo de comentário, pois esse não é o propósito do Karatê-do. É como ao quebrar telhas, às vezes um golpe é capaz de quebrar muitas telhas ao mesmo tempo, a primeira telha pode permanecer intacta, entretanto é provável que tenha destruído as telhas que estão logo abaixo de forma definitiva e irreversível.
Um praticante deve manter a devida etiqueta e cordialidade frente ao seu oponente, a educação deve ser fomentada entre os praticantes.
Esses dois grandes mestres Funakoshi e Nakayama têm características muito interessantes e possuem muitas semelhanças. O fato é que ambos têm formação pedagógica, apesar de viverem diferentes etapas evolutivas do Karatê-do, também possuem princípios filosóficos e conhecimentos científicos, ressaltando a importância de sempre ter o intuito de aprimorar-se, tanto na vida como na prática de Karatê-do. O Karateca deve compreender bem as frases expressas no dojokun, espécie de doutrina que os karatecas seguem.
O mestre Nakayama demonstra uma preocupação nesta frase:
“Decidir quem é o vencedor e quem é o vencido não é o seu objetivo principal. O Karatê-do é uma arte marcial para o desenvolvimento do caráter através do treinamento, para que o karateca possa superar quaisquer obstáculos, palpáveis ou não.” (NAKAYAMA, 1977, p.11).
Com base no que vem sendo apresentado até aqui sobre os preceitos que regem o Karatê-do, pode-se afirmar que a cordialidade é fundamental para se atingir a compreensão dessa intrigante arte marcial.
Já no final do século XX, as artes marciais sofreram críticas severas da sociedade em geral, devido à falta de ética nas atitudes de muitos de seus adeptos. O Karatê-do se desenvolveu muito rápido, chegando a ser praticado em quase todos os países, e em todos os continentes. Passou a haver uma grande necessidade em formar mestres em quantidade suficiente para atender a tal demanda e, no intuito de proliferar ainda mais o Karatê-do como esporte, se formou muitos mestres. Foi considerado quase que exclusivamente como critério para a formação a preparação técnica, o que, de certa forma, deixou de lado a formação filosófica e pedagógica desses mestres. Em conseqüência dessa formação precária, atualmente existem muitos mestres despreparados para ensinar o verdadeiro caminho do Karatê-do. E são esses falsos mestres que promovem a violência ao permitirem que seus discípulos se percam em disputas que conduzem à corrupção do sentido original das artes marciais em geral.
“Um excelente educador não é um ser humano perfeito, mas alguém que tem serenidade para se esvaziar e sensibilidade para aprender.” (CURY, 2003, p.17).
Cury (2003) faz menção ao potencial intelectual que as pessoas podem desenvolver e aperfeiçoar ao longo dos anos, a emoção também é importante no ato de educar, contribui para a educação.
Diante desse quadro ocorre que atualmente existem muitos mestres despreparados para ensinar o verdadeiro caminho do Karate-do, promovem a violência ao permitirem que seus discípulos se percam em disputas violentas e conduzem a detrimento das artes marciais em geral. Longo e infinito é o caminho da perfeição, entretanto, na medida em que vamos reconhecendo nossa ignorância estamos mais perto da aprendizagem, evoluímos tanto no esporte quanto na vida. A competição é natural mediante o processo evolutivo do Karatê-do, contudo, é preciso que os critérios para seleção e graduação dos mestres sejam revistos mediante a necessidade tão presente em nossa sociedade de se encontrar diversas maneiras de se cultivar a paz entre os povos.
O PRINCÍPIO DA INTEGRAÇÃO CORPO E MENTE
Karatê-do conduz o praticante a entender a concepção que o a corpo e mente age em conjunto. Essa crença para os povos do oriente é muito mais antiga do que qualquer modalidade das artes marciais, no entanto no Karatê-do Judô, Aikido, Kendo, isso deve ser trabalhado com ênfase, pois todo praticante deve reconhecer essa integração do corpo com a mente.
“Lancei-me todo inteiro, mente e corpo, coração e alma, á tarefa de dominá-lo. Havia sido uma criança débil, irresoluta, introvertida; ao chegar á idade adulta, sentia-me forte, vigoroso, decidido”. (FUNAKOSHI, 1975, p.14)
O karateca precisa assimilar as técnicas de execução de movimento e se entregar ao treinamento integralmente, saber que tudo aquilo que for aprendido no local de treino deve ser seguido no dia-dia, conduz ao aperfeiçoamento. O local de treino denominado dojô, se torna a segunda casa e seus colegas de treino uma segunda família. Um casamento é a melhor definição para um grupo de karatecas, pois todos se unem na vitória e derrota, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença.
PRINCÍPIO DO RESPEITO AO OPONENTE
O praticante tem que aprender a valorizar a individualidade intelectual, gestual e emocional de cada oponente; cultivar o respeito mútuo, serenidade, humildade, autocontrole, solidariedade, generosidade, dentre várias características. Medir a potência de golpe de punho é insignificante em relação à capacidade de saber se defender de forma segura e zelar pela integridade física e moral de qualquer oponente. O praticante deve entender que a habilidade de evitar um conflito é muito mais importante do que a de finalizar um conflito.
A lealdade de alguém é determinada pelo lado que ele pensa que esta. Sendo assim, se o trouxer para seu lado e fizer com que ele faça parte de sua equipe, ele lutará ao seu lado. (LIEBERMAN, 2005, p.34)
Lieberman (2005) diz que é possível trazer alguém que se demonstra claramente hostil para fazer parte de sua equipe, se lhe mostrar que seu que seu caminho é o caminho da retidão e da segurança.
No Karatê-do existem alguns preceitos que expressão o caminho em busca do aperfeiçoamento, que o praticante deve percorrer dentro do Karatê-do rumo à iluminação.
Esforçar-se para a formação do caráter. O praticante deve ter um estado de concentração no cuidado com as atitudes éticas, pois o Karatê-do foi desenvolvido em nome da justiça.
Fidelidade para com o verdadeiro caminho da razão. Todos os indivíduos têm seu caminho e o seguem, entretanto, para o praticante existe um caminho seguro, caminho este em busca do aprimoramento tanto em sua vida cotidiana, quanto em sua pratica de Karatê-do.
Criar intuito de esforço. Não existe vitória sem luta, não existe luta sem desafio, e não existe desafio sem motivação, todo o praticante deve buscar um caminho para alcançar os objetivos seja nesta prática, ou durante toda a sua vida. É preciso buscar motivação sempre compreendendo que a luta não decide o vencedor, simplesmente nos ensina que sempre existe algo a apreender.
Respeito acima de tudo. É dever dos praticantes estabelecerem uma relação de cordialidade em relação as mais diversas culturas, pois a concepção de conhecer o seu oponente deveria ter uma conotação diferente daquelas que muitos praticantes de artes marciais entendem. Conhecer seu oponente é aprender técnicas que estavam ocultas na sua prática.
Conter o espírito de agressão. Essa frase simboliza verdadeiramente o ideal do Karatê-do, por essa arte é primordialmente de defesa pessoal, às vezes distorcida pelos adeptos.
BASES TÉCNICO-CIENTÍFICAS DO TREINAMENTO DE KARATÊ-DO
Nakayama (1977) ressalta que o treinamento sistematizado conduz a um estado de excelência. Faz-se necessário que os praticantes sejam ativos durante todo processo, mas, que interiorizem cada etapa do treinamento. Em alguns momentos é preciso contextualizar o quadro atual em que se encontra o Karatê-do, onde o atleta de performance muitas vezes treina durante horas, todos os dias da semana, buscando performance esportiva. No entanto, se esquece do verdadeiro propósito do Karatê-do que é defesa pessoal. Isso se reflete nas competições onde os efeitos psicológicos agem sobre o desempenho, pois, a obrigação pela vitória a qualquer preço conduz à distorção dessa arte.
“O estudante tem que praticar regularmente, com o máximo de concentração e esforço na execução de cada movimento. Isso, porém, não bastará se as técnicas não forem cientificamente perfeitas e o treinamento não for sistemático e regular. Para ser eficaz o treinamento deve ser feito com base em princípios físicos e fisiológicos.” (NAKAYAMA, 1977, p.48).
Normalmente, aqueles treinos que primam por aprimorar as capacidades físicas acabam melhorando também a parte técnica, deve-se treinar exaustivamente os fundamentos, para que a técnica prevaleça sempre sobre a força.
Existem alguns pontos determinantes no treinamento técnico para o sucesso na prática do Karatê-do. Entre esses, destaco o potencial dos golpes em função do giro dos quadris, como nas mais diversas modalidades esportivas os quadris auxiliam na execução do movimento. Particularmente no Karatê-do os quadris potencializam muito o poder dos golpes, associado à técnica de hiki-te, que é a puxada do braço para junto do tronco.
“O importante no treinamento inicial é o domínio da técnica rápida, potente e padronizada e que percorre o trajeto correto”. (NAKAYAMA, 1978, p.16)
A postura deve demonstrar uma imponência e, principalmente ser imutável. O praticante deve manter a postura correta e apropriada para cada situação, tanto em situação de treino, quanto em uma situação real. Chamo a atenção para que a base de sustentação permaneça o mais próximo possível do solo para que o equilíbrio possa ser alcançado, e, conseqüentemente a técnica tenha qualidade e eficiência.
“Uma das características mais importantes do Karatê-do é que todos podem praticá-lo, jovens ou idosos, fortes ou fracos homens ou mulheres. Ademais não se faz necessário ter um adversário para fins de prática”. (FUNAKOSHI, 1975, p.118)
Treinar sistematicamente as posturas conduz o praticante à segurança e compreensão necessárias à execução de qualquer técnica. Podemos exercitar esses fundamentos através dos exercícios formais de Karatê-do: os katas, kiron e kumite.
Os katas consistem em uma seqüência sistematizada de movimentos e golpes que alternam momentos de defesa e ataque, que são deferidos em direções pré-determinadas e sem o contato físico com qualquer oponente, simulando uma situação real de luta.
Um ponto importante no kata é o kime, que é uma técnica de respiração peculiar que o karateca adquiri através do treinamento; a musculatura abdominal é contraída e o ar circula pelas vias aéreas rapidamente. Acredita-se que toda a força se concentra no abdômen por um instante, e em seguida é expelida no movimento explosivo das técnicas de defesa e ataque, é essencial senão decisivo em qualquer técnica de Karatê-do. Apesar de ser mais bem executado pelo praticante de nível avançado, devido ao alto grau de complexidade, pode ser realizado de forma mais simples também pelos iniciantes. Para isso são necessários apenas empenho e bom preparo físico.
Os kiron são exercícios em deslocamento horizontal e/ou diagonal, que visam trabalhar todos os fundamentos, de forma cadenciada. Proporcionam a capacidade de corrigir erros minuciosos, bem como aprimorar as técnicas dos praticantes. Recomendados para os iniciantes, exercícios de fixação.
O Kumite é o treinamento de técnicas, frente a frente com um oponente. Esse treino pode ser feito de forma sistematizada ou livre, dependendo do nível de aprendizagem de cada indivíduo; a compreensão da técnica de sundome e zanchin é imprescindível, lembrando que sundome é ter domínio sobre a potência do golpe podendo interromper um golpe a centímetros do alvo, enquanto o zanchin é uma demonstração de força e autocontrole sempre zelando pela integridade física do seu oponente. No formato sistematizado, ocorre que os movimentos de golpes são pré estabelecidos pelos praticantes, e antes de qualquer ação por parte do atacante é necessário avisar que tipo de golpe será executado; enquanto que no livre ocorre uma demonstração de luta, onde os golpes são executados de forma variada no intuito de condicionar o corpo e mente, normalmente são praticados por indivíduos com maior experiência cuja compreensão atinja um nível de confiança e segurança.
ALGUMAS INCIDÊNCIAS BENÉFICAS DO TREINAMENTO DO KARATÊ-DO NA VIDA DO PRATICANTE
Em relação à condição fisiológica existem relatos que contam que durante a prática do Karatê-do, o indivíduo potencializa o sistema de defesa do organismo através do treinamento, fato esse que pode ser observados ao longo de períodos decorrentes desse treinamento.
Autores defendem os efeitos benéficos provenientes do treinamento sistemático do Karatê-do para a saúde geral do indivíduo. Tais benefícios seriam observados após longos períodos de treinamento. Funakoshi relata:
“Em minha opinião, há três males que afligem o ser humano: as doenças que causam a febre, o mau funcionamento do sistema gastrintestinal e os ferimentos físicos. Quase que invariavelmente, a causa de uma deficiência está num estilo de vida não saudável, em hábitos irregulares e numa circulação imperfeita.” (FUNAKOSHI, 1975, p.14).
Funakoshi (1975), claramente faz referência a esses males, demonstrando que um indivíduo considerado fraco, quando bem treinado fisicamente, pode repelir muitas doenças ou moléstias, e com o fortalecimento das estruturas músculo-esqueléticas é possível também evitar os ferimentos físicos, como fraturas, lesões musculares e articulares.
É importante falar que Funakoshi, quando criança, era considerado muito frágil, e aconselhado por médicos, passou a praticar atividade física na modalidade que acabaria por desenvolver o Karatê-do. Por algum tempo seus pais pensaram que Funakoshi não viveria muito devido às enfermidades que constantemente contraía. Graças a sua atitude ativa, viveu muito, até os noventa anos de idade, considerado por seus discípulos um imortal.
Atualmente, é comum o indivíduo receber um estímulo para praticar artes marciais, principalmente através da mídia que, em geral, se preocupa em vender produtos para isso utilizam como exemplo indivíduos capazes de realizar feitos, demonstrações e/ou espetáculos de força e vigor físico. Esse fato causa um efeito de ilusão e manipula as pessoas, a ponto de acreditarem que se treinarem o Karatê-do, entre outras artes marciais se tornaram invulneráveis, o que se constitui numa mentira. Persuadido, o iniciante percebe rapidamente que nenhum ser humano seria capaz de atingir tal estado, e que isso nada tem a ver com o verdadeiro objetivo do Karatê-do. Alguns continuam com o treinamento, vivenciam experiências que se tornarão marcantes, trilhando um caminho repleto de desafios seguidos de conquistas. Ao vivenciarem tais experiências de sucesso, os praticantes se rendem à arte do Karatê-do, por vezes se dedicando integralmente ao processo de ensino-aprendizagem. Por essa prática ser demasiadamente espiritual pode ser considerado por muitos praticantes como religião, tamanha é a devoção. Até a natureza pode se tornar a inspiração, onde o indivíduo procura um lugar de paz e tranqüilidade para aprimorar suas técnicas. Mesmo na observação dos animais é possível aprimorar as técnicas de postura defensiva e ofensiva.
“O treinamento dia e noite, inverno após inverno, aperfeiçoa o espírito do guerreiro no caminho da espada. O samurai treina exaustivamente por que não se compara a ninguém apenas com o melhor de si mesmo. Esse é o seu método de treinamento.” (WAGNER CUNHA, 1963, p.13).
Na observação dos animais é possível aprimorar as técnicas de postura defensiva e ofensiva. Ao iniciar o treinamento, o indivíduo, normalmente vai à busca do domínio dessa arte marcial. Para isso, existem os mestres e professores de Karatê-do. No estilo shotokan existem inúmeros testes e exames para determinar a evolução de um praticante. Mesmo que se domine determinada técnica, é necessário constantemente o treinamento dessa técnica. Não existe um final, existe sim o propósito de aprender o significado, e codificá-lo em nosso cérebro, portanto, a perfeição não é algo alcançável é sim desejável, o que motiva essa prática.
Um atleta pode muitas vezes, dominar uma técnica, entretanto mesmo que se empenhe por toda a vida, jamais será capaz de dominar todas as técnicas. E, na medida em que evoluímos, e os anos se passam novos praticantes surgem, adquirindo maior acervo de conhecimento, para se tornar um mestre de Karatê-do são necessários muito mais que eficiência motora, existe sim a obrigação de se tornar um exemplo de vida e de superação.
“Há uma grande diferença entre a habilidade de executar golpes e a habilidade de ensinar. E ninguém deve ser considerado apto a ensinar apenas por ter habilidade em competir. O detentor de faixa-preta, nem sempre é um bom pedagogo.” (TEGNER, 1966, p.32).
Tegner (1966) comenta sobre a falta de preparação dos professores de Karatê-do. Hoje em dia, muitos jovens treinam com um único objetivo, á performance; para isso se entregam ao treinamento como se fossem organismos cibernéticos, um praticante que domine todas as qualidades físicas, cognitivas e até afetivas, poderá se tornar um mestre em até cinco anos seguramente, se esse realmente for seu objetivo. Ou poderá se tornar um sábio capaz de entender todos os códigos de honra, que mesmo depois de centenas de anos ainda são necessários.
Através da análise desses dois magníficos mestres: Funakoshi e Nakayama. É possível que o objetivo deles vá além de obter o título de faixa-preta, e que, ao longo dos anos, por seu espírito de humildade, suas faixas tornar-se-ão brancas novamente, devido a tanta experiência e dedicação.
“O guerreiro deveria se esforçar em ser o mesmo na aparência, não obstante o que ele estivesse fazendo ou o que estivesse vestindo. Quer ele esteja simplesmente indo para o seu dia a dia ou indo para a guerra encarando a morte, ele deve ser o mesmo e agir igual confiante, calmo e preparado para agir, e completamente alerta internamente.” (HASSEL, 1983, p.19).
O Karatê-do surge derivado da necessidade de proliferar aqueles preceitos e crenças nas quais os samurais tanto acreditavam, e em uma época de grandes reformas políticas.
O Karateca na atualidade deve compreender bem as frases expressas no dojo-kun, uma espécie de doutrina que os karatecas seguem veementemente. O mestre Nakayama demonstra uma preocupação nesta frase:
“Decidir quem é o vencedor e quem é o vencido não é o seu objetivo principal. O Karate-do é uma arte marcial para o desenvolvimento do caráter através do treinamento, para que o karateca possa superar quaisquer obstáculos, palpáveis ou não.” (NAKAYAMA, 1977, p.11).
Segundo (Darido 2005) sobre as dimensões do conhecimento traça-se um paralelo ao analisar as lutas; a dimensão conceitual o karateca deve aprender e compreender os aspectos: fisiológicos, filosóficos, intelectuais e emocionais.
A dimensão procedimental: compreender as regras das disputas desportivas, cultivar atitude autônoma, despertar em si mesmo a responsabilidade de se tornar um exemplo de superação. E em relação a dimensão atitudinal: saber os seus limites físicos em relação ao treinamento, ser capaz de contribuir para a formação das pessoas, ser capaz de resolver os problemas cotidianos, e o primordial ser feliz.
CONCLUSÃO
Concluído o estudo chega-se a conclusão que o Karatê-do estilo shotokan, pode ser utilizado também como uma ferramenta educativa, pela predominância da técnica sobre a força, o contato físico é mínimo dentro das disputas esportivas, em relação aos aspectos educativos quando manipulado de forma consciente por um profissional que tenha formação pedagógica pode conduzir ao desenvolvimento completo dos praticantes.
Na sociedade atual, ocorre que o Karatê-do é divulgado de forma errônea, por que se mostra através de exibições de força e agressividade, quebrar telhas ou tijolos são simples feitos para as mãos calejadas de um karateca, é preciso utilizar dessa ferramenta pedagógica em prol de nossa sociedade quebrando todos os preconceitos e combater as injustiças sociais, as demonstrações corpóreas estão muito distantes da origem e proposição do Karatê-do em seu surgimento. No Brasil o Karate-do vem evoluindo graças a grandes mestres que são oriundos de uma época em que, a essa arte marcial era vinculada uma constante busca pelo aprimoramento do caráter.
Nesse sentido, percebe-se que é possível que o Karatê-do seja incluído também nos programas de Educação Física no Brasil, devido a ser comprovadamente saudável sua prática e até mesmo pela procura pelo Karatê-do dentro das academias, escolas e universidades, o quadro atual é um pouco distante das perspectivas, pois ainda existem preconceitos a serem quebrados.
REFERÊNCIAS BLIBIOGRÁFICAS
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CURY, A.J. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante / GMT Editores. (2003). 171 p.
DARIDO. S.C. Educação Física no Ensino Superior. Educação Física na Escola Implicações para a Prática Pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.(2005). 293 p.
FUNAKOSHI, G. Karate-do. O meu modo de Vida. São Paulo. Cultrix. (1975).132 pag.
HASSEL, R.G. Conversations with the master: Masatoshi Nakayama. St. Louis: Palmerston & Reed Publishing Company.(1983). 245 p.
LIEBERMAN, J.D. Como mudar qualquer pessoa. São Paulo. Novo Século. (2005)
NAKAYAMA, M. O melhor do Karatê: kumite 1. Vol 3. São Paulo. Cultrix. (1977). 147 p.
TEGNER, B. Guia completo de Karate. Rio de Janeiro. Record (1966). 297 p.